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Archive for the ‘Conto’ Category

Do outro lado do rio

H. tinha por volta dos seus 10 anos de idade.

Era uma criança imaginativa, como todas as são nessa idade. Num lugar em que as distrações dependem justamente de quão longe vão seus pensamentos.

Morava em uma casa simples.

A casa ficava à beira de um grande rio.

No quintal, um grande varal de roupas balançava ao sabor do vento.

Por vezes empunhava uma espada feita de gravetos. Imaginava as roupas como uma tropa de exército e ele como o cavaleiro daquele que era seu castelo.

A grama verde reluzente brilhava com os raios de sol.

À beira do rio estava seu pai. Este pescava todos os dias.

Quando o menino chegava perto lhe contava histórias sobre o grande rio.

Falava sobre o gigantesco peixe que seu avô pescara, sobre as criaturas d’agua, a linda sereia que encantava os pescadores desavisados e muitas outras histórias.

Mas o que realmente intrigava H. era o que havia do outro lado do rio.

Imaginava monstros que jamais vira. Incomodando um reino tão grande quanto seus olhos jamais viriam. Onde haveriam cavalos brancos e seus cavaleiros correndo majestosamente pelos vastos campos.

Um dia subira em uma pedra alta. A pedra mais alta que havia por lá.

Porém só via a borda de um outro lado. Que pena. Não podia enxergar mais que isso.

Outro dia, seu pai o ajudara a construir um pequeno barco de madeira.

Dentro dele colocara seu boneco favorito. Com certeza ele voltaria para lhe contar que mistérios havia do outro lado do lago.

E assim o barco percorrera em direção ao distante. Fez uma continência ao boneco que jamais voltou.

E assim passaram-se os tempos.

H. tornara-se um homem. Plantava arroz, feijão, trigo. Tudo do seu lado do rio.

Agora a figura que ficava à beira do rio era a de H. em lugar de seu pai.

Mas H. era triste. Ainda não sabia o que havia do outro lado rio. Imaginava agora uma grande cidade com carros velozes. Mulheres bonitas e prendadas. Coisas de todo o tipo para se ver.

Lá sim ele seria feliz, pensava. E isso o fazia um homem triste.

Ao dia trabalhava com a cabeça ao longe. A noite sonhava com a outra margem do rio.

Uma voz dentro dele ecoava:

Rema, rema, rema…

H. resignado continuava a sonhar com o outro lado do rio.

Até o dia em que resolvera construir um barco e finalmente alcançar aquilo que seria sua felicidade.

A maior parte do dia e a maior parte de seus esforços era guardada para esse intento.

Em cada corte na madeira, em cada tábua pregada, havia uma imagem do outro lado do rio.

E assim chegara o grande dia.

Subiu em seu pequeno barco. Respirou fundo. E começou a remar.

A margem era distante e seu coração batia tão rápido que mal podia ficar em pé.

Chegando a metade de seu destino, percebeu que não havia criaturas d’agua, nem nenhuma bela sereia. Só havia a água, nada mais.

Continuou seu caminho, por todo lado só via água.

Até que do outro lado avistara finalmente algo.

Não sabia bem o que era. E assim foi chegando.

Na outra margem havia um menino.

Este brincava com um pequeno barco na margem do rio.

Não havia grandes cidades, nem carros barulhentos.

Apenas um menino, assim como ele o fora.

Sorriu.

Diante daquela cena girou os remos em direção ao seu lado do rio.

Satisfeito, voltou pra sua margem.

*Inspirado em “Al otro lado del río” (Jorge Drexler)

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Palavras…

Começo e fim.

De frases simples, faço dissertações em mim.

Ouvir é apostar em divagações de um mundo que não é seu.

Como se alguém nos contasse a história de um mundo distante.

Com cores, matizes, sensações.

Estas se misturariam em nosso próprio mundo, tomando nova forma com cores, matizes e sensações próprias.

Jamais iguais a primeira.

Mas a verdade – a mais triste e pura de todas – é que nunca saberemos o quanto desse outro mundo é real.

Esse mundo é movido pela tão inexorável fé.

E assim seguimos nessa mescla de realidade e fantasia. Por dentre portas que abrimos e fechamos constantemente.

Entre reinos, abismos e vales.

Na eterna procura daquilo que chamamos verdade.

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Só por um momento

Às vezes olho pro céu e desenho nas nuvens.

Sejam grandes animais, elefantes, leões, baleias. Ou coisas pequenas como caixas, gatos ou um puff gostoso.

Fico perdida em pensamentos. Eles pulam de um nuvem pra outra. Ora parecem rir de mim, ora deixam um sorriso em meus lábios.

Fico ali esperando quem sabe um dia pegar carona numa delas.

Sentir seu toque sutil e macio enquanto me carregam para um lugar que ainda não sei onde fica.

Mas já dizia Renato Russo “as nuvens não são feitas de algodão”.

Assim acordo de meu sonho e lembro das coisas a serem feitas. Do dia-a-dia frenético de uma São Paulo que não pára e não deixa parar.

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A espera

Tem dias que me sinto como a menina de meus sonhos.

Sentada no banco há espera de algo. Não se sabe quanto tempo tem esperado.

A multidão em tons de sépia não percebe sua presença. A menina no entanto, ora distrai-se perdida em pensamentos, ora levanta-se rapidamente na esperança do tão esperado momento.

Segura a respiração. Seu coração aperta cada vez mais. O rosto cora.

Senta-se.

Não era hora.

Imagina então o que diria naquele instante.

Talvez um “estive aqui esperando por você todo esse tempo” acompanhado daqueles abraços que não precisam de qualquer explicação. Não não, talvez um simples “que bom que você chegou” e um mero sorriso.

Esse pequeno e secreto ritual enchia-lhe o coração.

Atrás dela passavam-se estações. As folhas caídas… o chão forrado de branco.

A espera era o único ser imutável.

Os olhos lânguidos, cansados de observar… a espreita da exatidão daquele instante.

Num banco qualquer, de um lugar qualquer, talvez você a encontre… e talvez, somente talvez, ela tente achar em você aquele instante.

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Um pouco de chuva

Diante do melancólico cenário pret-a-portêr um guarda-chuva azul chama a atenção.

Os galhos retorcidos das árvores tentam arranhar o céu.

Em São Paulo o ar tristonho da garoa fina.

Dentro do guarda-chuva doces mentiras, promessas vãs.

Era o prelúdio do fim, você sabia. Eu sabia.

Naquele pequeno ponto colorido o beijo.

Aquele beijo caloroso e doído em que você parecia roubar me um pouco da vida. E eu sequer me importava com isso.

Sua respiração dentro da minha me dava a sensação de intimidade.

Sempre me perdia em você. Em seu cheiro, em seu abraço, em suas palavras.

Como sempre.

O vento parecia embalar aquele momento, movendo os galhos numa doce melodia.

Não pareciam mais tentar arranhar o céu, mas apenas alcançá-lo.

Numa cena tão bela quanto triste.

Em dias como hoje onde São Paulo parece chorar, eu procuro você em rostos, em versos, em músicas.

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